Dificuldades era palavra
conhecida de Vitória. Moça simples da roça, que de dia lidava com a colheita no
milharal e à noite ajudava mainha nos afazeres domésticos. Era jovem, mais
aparentava mais idade devido a vida de sacrifícios e trabalho quase escravo.
Reclamar? Não reclamava não. Sabia que o futuro da família dependia de certa
maneira do seu trabalho na lavoura. Já tinha passado por maus bocados na vida.
Primeiro, antes de completar um ano de vida quase morreu por falta de leite e
de uma anemia que lhe tirou as forças. Depois, aos 7 anos de idade foi a
distância da escola que lhe fez desistir de estudar. E agora, já na
adolescência a labuta do dia a dia afastava a esperança de ser alguém na vida.
Desde cedo precisou
escolher entre aprender ler e escrever ou ajudar no sustento da família. Quando
adolescente sua rotina tornou-se ainda mais desgastante. Acordava bem cedinho,
antes do galo cantar. Fazia o café, arrumava a trouxa de roupas sujas, que
depois da lida na roça, já no final do dia, teria que lavar no rio. Pegava a
marmita, colocava a rodia na cabeça, pegava o balde e partia para o trabalho. Não
ia sozinha não, seus três irmãos mais velhos a acompanhavam. Eles também
passavam o dia na plantação e colheita do milho. Vitória tinha uma outra missão
no final do dia. Passar na fazenda vizinha para tirar água do poço para preparar
o jantar da família.
Mas,
apesar da vida sofrida, ela acalentava o sonho de ir embora do sertão tentar a
vida na cidade, queria ser professora. Não queria casar e morar na roça como
sua mãe. Sabia bem o destino que lhe daria essa vida, a pobreza. Alegria…teve
algumas na vida. A festa de São João na fazenda, para ela era como se fosse um
baile. Colocava seu melhor vestido, que mainha fez com tecido bom, que ganhou
da mulher de seu Agenor, o administrador da fazenda. Era ciumenta, não deixava
ninguém lavar o vestido, fazia questão de tratá-lo com muito cuidado, como uma
louça de porcelana.
Outro
momento que fazia Vitória sorrir, era quando as comemorações da Festa de Reis
chegavam. Somente nesse dia, o pai, seu Joaquim, deixava a moça participar da
dança. Falava que moça direita não podia se dar ao desfrute, ficava falada e
não arrumava casamento bom. Teve um dia que Vitória conheceu um rapaz, filho de
um lavrador da cidade vizinha, moço bonito e trabalhor. Ela até se encantou por
ele, mas descobriu que era tão pobre, tão pobre, que dormia de favor na
cocheira da fazenda onde trabalhava e acabou desistindo.
Faltando
pouco meses para Vitória completar 18 anos, falou com seus pais que pretendia
ir para a cidade em busca de uma vida melhor. Contrariados, seu Joaquim e dona
Ana não gostaram da novidade. Mas acabaram se convencendo, que alí a menina não
teria futuro. Chegou o grande dia, Vitória arrumou a trouxa e depois de três
dias de viagem, ela e seu irmão Cícero chegaram a Pernambuco. Desembarcaram na
rodoviária, perdidos, sem ter para onde ir, e com pouco dinheiro.
Na
cidade grande a vida foi difícil, passaram por diversos perrengues, fome, frio,
falta de emprego. Vitória não desistiu, voltou a estudar, completou o ensino
fundamental e depois fez o ensino médio. Seu irmão foi trabalhar como ajudante
de pedreiro e logo tornou-se mestre-de-obras. A vida começou a melhorar. Eles
não se esqueceram do sacrifício da família, todo mês mandavam dinheiro aos pais
e aos irmãos que ficaram na roça, cuidando do pedacinho de chão da família.
Vitória
trabalhava como garçonete em um bar. Certo dia resolveu prestar o vestibular
para pedagogia em uma faculdade pública e passou. Depois de quatro anos
estudando e trabalhando, enfim se formou. Fez questão de voltar para a roça
para visitar seus pais e mostrar que o sacrifício deles não foi em vão. Ela
agora era professora formada e devia a realização do seu sonho aos seus pais.
Essa é a história de Vitória, que se confunde com a de muitos brasileiros e
brasileiras que deixam o campo para tentar a vida na cidade grande. Muitos encontram
a vitória, outros, acabam voltando à terra natal. O importante é não desistir do
sonho nunca. Vitória sabe bem disso!
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