sábado, 24 de outubro de 2009

Violência globalizada

Morro de medo de pensar que milhares de cidadãos têm de conviver com tiroteios, balas perdidas e constante sentimento de insegurança. Morro de medo de sair de casa depois das 11h, sabendo que corro o risco de ser atacada e violentada. Morro de medo de dirigir meu carro pelas ruas da cidade e ser roubada, sequestrada ou morta por marginais ou “crianças” empunhando armas. Morro de medo de deixar meu filho na escola e de repente um coleguinha, num acesso de fúria ou mesmo de curiosidade, saque um revólver e atire nele sem motivo aparente. Morro de medo do pai que diz para o filho que apanhou do amigo na escola para que volte e dê o troco. Morro de medo de estar num ponto de ônibus e de repente ser atropelada por um carro desgovernado, guiado por um motorista bêbado. Morro de medo de ir ao banco sacar dinheiro do caixa eletrônico e ter meu cartão clonado. Morro de medo dos políticos que tentam extinguir os direitos por mim conquistados. Em certo momento, chego a acreditar que a violência provocou nas pessoas certa paranoia e até mesmo descrença nas relações sociais. O ser humano está a cada dia com mais medo de sentir medo. O importante é não deixarmos de sentir indignação com a violência globalizada e não nos entregarmos à apatia. E, como bem disse o educador Ubiratan D'Ambrósio, da Universidade de Campinas (Unicamp), “estamos gastando muita energia, econômica e emocional, para nos defendermos de um inimigo que talvez nem exista". Será?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Depois de seis anos, Estatuto do Idoso ainda é desconhecido

O Estatuto do Idoso completa, nesta quinta-feira - Dia Internacional do Idoso -, seis anos de sua promulgação. Apesar do tempo em vigor, parte da população ainda desconhece todos os direitos garantidos no documento, criado com o objetivo de assegurar saúde, lazer e bem-estar aos cidadãos com mais de 60 anos, idade estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMC) para definir um idoso. Poucos parecem saber, por exemplo, que a lei proíbe os administradores de planos de saúde de discriminarem o idoso, cobrando dele valores mais altos devido à sua idade. Ou que o Poder Público é obrigado a criar oportunidades de acesso do idoso a cursos especiais que lhe permitam se integrar à vida moderna. Ao responder à Agência Brasil sobre as conquistas e as dificuldades enfrentadas por quem chegou à terceira idade, pessoas de diferentes idades se limitaram a citar o direito ao atendimento preferencial e a gratuidade do transporte público como importantes avanços. "Uma das conquistas é o passe livre", disse a agente aeroportuária Flávia Cristina Facundo, 33 anos. O motoboy Gabriel Borges, 26 anos, além de citar as "várias vantagens de locomoção", lembrou que os idosos "passam à frente nas filas" para justificar sua impressão de que, "ao contrário do que muita gente diz, hoje há maior respeito com as pessoas mais velhas". O aposentado Willian de Souza, 69 anos, discorda. Embora reconheça que em certos aspectos houve melhoras, ele reclama que ainda há muito o que fazer pela saúde e pela qualidade do transporte, dois setores contemplados no estatuto. "É preciso que haja uma condição de transporte condizente com a terceira idade", afirmou Souza, fazendo coro com os entrevistados que reclamaram da falta de atenção de motoristas, da altura dos degraus dos ônibus e da falta de pontos de ônibus. "Eles, os motoristas, fingem que não veem e passam direto. Eles não têm amor à pessoa de idade. Pensam que nunca vão ficar velhos, mas um dia eles vão envelhecer", queixa-se Iracema Farias, 72 anos. Número de idosos cresce Na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que a população brasileira está ficando mais velha. De acordo com o IBGE, enquanto em 2007 os brasileiros acima de 60 anos eram 10,5% da população, em 2008 esse percentual subiu para 11,1%. "Acho que é preciso garantir maior acesso dos idosos à saúde, porque os índices de longevidade estão cada vez melhores", sugere o jornalista Luís Flávio Luz, 35 anos. Matéria retirada do site www.noticias.terra.com.br/brasil/noticiasdo dia 01/10/2009.

A Guerra Nossa de Cada Dia

Num mundo ainda muito belicoso – que acabou de assistir a violentos embates na Bósnia e na Chechênia e no qual ainda ocorrem guerras civis na África, guerrilhas na Europa e América Latina e conflitos entre árabes e israelenses –, o Brasil, surpreendentemente, ostenta um recorde muito triste: é o país onde acontece o maior número de assassinatos. Aqui, 45 mil pessoas são mortas todos os anos com tiros de armas de fogo. Esta incômoda posição é denunciada em recente relatório da ONU, pouco divulgado pela imprensa. Para se ter uma idéia da gravidade desses números, é interessante compará-los com os referentes a alguns dos conflitos bélicos mais violentos do século. Nos 10 anos da Guerra do Vietnã (1964/1973), morreram 225 mil pessoas (média de 22,5 mil vítimas por ano); a Guerra da Bósnia, em quatro anos (1992/1995) matou 200 mil pessoas (50 mil por ano). O Brasil, com 45 mil assassinatos, tem, portanto, um índice de mortalidade por armas de fogo equivalente a duas guerras do Vietnã ou a uma Guerra da Bósnia por ano. É muita violência para um país com a democracia consolidada, sem movimentos guerrilheiros e que não participa de qualquer conflito internacional desde a Segunda Guerra. Os números pertinentes à violência no Brasil denunciam, na verdade, que o País vive uma guerra surda, não declarada, sem bandeira ou ideologia, que evidencia a violência suscitada pela imensa dívida social. Não se pode, obviamente, deixar de considerar o crime organizado, a deficiência dos sistemas públicos de segurança e a impunidade como causas da violência. Entretanto, por mais pragmatismo com que se queira analisar a questão, é impossível deixar de constatar que a fome, a miséria, a carência nas áreas da saúde e da educação, o abandono da infância e da adolescência e os conflitos no campo são os principais caldos de cultura da violência. Grande parcela da população brasileira está alijada dos direitos da cidadania. São os excluídos, que subsistem nas periferias urbanas, em favelas, palafitas, pontes e viadutos. São crianças famintas, clamando pela vida nas esquinas de suas desventuras. A estes brasileiros não se pode cobrar consciência cívica. Eles são suscetíveis às promessas vazias e aos sonhos de vida melhor oferecidos pelo oportunismo nefasto do submundo do crime e da contravenção. A violência faz parte de sua rotina. Manejá-la é um exercício espontâneo, quase instintivo, de sobrevivência. Sua rotina inglória é muito diferente do dia-a-dia do Brasil dos que têm emprego, casa, escola, alimento, saúde e educação. A congruência física dos dois mundos, porém, escancara a realidade e, na ausência da democratização das oportunidades, socializa a violência. Assim, paralelamente às medidas do Estado voltadas à melhoria da segurança pública, como o recente projeto de reestruturação da polícia e a nova lei que regulamenta o registro e o porte de armas, o Brasil carece, com urgência, de uma forte e decisiva ação no campo da cidadania. Isto significa que a sociedade civil, de forma organizada, democrática e ordeira, deve mobilizar-se cada vez mais no sentido de reduzir as disparidades sociais e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos excluídos. Paulatinamente, cresce a consciência sobre a assunção da cidadania. Empresas, fundações, institutos, ONGs e entidades de classe, que constituem o chamado Terceiro Setor, têm dado exemplos muito positivos de que a sociedade pode – e deve – trabalhar no sentido de solucionar seus próprios problemas. Essas instituições ocupam, gradualmente, um espaço que o paternalismo centralizador do regime de exceção de 64 lhes havia tirado. Estima-se que organizações privadas brasileiras estejam destinando 300 milhões de dólares por ano a projetos de atendimento à criança e ao adolescente, saúde, cultura, educação e meio ambiente. No entanto, ainda há muito a ser feito. A multiplicação de ações dessa natureza, que implica ampla conscientização de toda a sociedade, é a única alternativa do País, neste final de milênio, para reverter o seu grave quadro social. É inadmissível ficar de braços cruzados, assistindo à guerra que, a cada dia, ceifa vidas e fere de morte a consciência moral da Nação. Publicado na Zero Hora 1998. Texto:Evelyn Ioschpe Retirado do site www.fiochpe.org.br